
Reflexão à eleição de líder comunitário
Imagine uma história: há 3 anos, ou mais ou menos 30 meses, chega um conhecido e diz que estava se preparando para a “carreira” política, assim, também, falava a outras pessoas, mas que se dedicaria totalmente, todos os dias após a aposentadoria.
Ao ser reformado da Polícia Militar, na meia idade, chegou a hora e assim, o fez. Continuando os contatos, agora com mais tempo livre, em 2020, concorreu ao cargo eletivo de vereador e podia-se ver sua dedicação cotidianamente, contudo, na apuração dos votos, apesar de quase 600 votos, não fora eleito, pois naquele município precisava de uns 1.500 a 2.000 cidadãos eleitores dispostos a creditar no candidato.
No ano seguinte, 2021, continuou os contatos e em agosto, formou uma chapa e concorreu à liderança comunitária do bairro.
Fez sua campanha na continuidade daquela a vereador: falando com todos que podia, cuidando em não entrar em polêmica e sendo um “vendedor” da ideia, com faixas, camisetas e o corpo a corpo.
Assim como na campanha para vereador, na campanha para líder comunitário, não elaborou proposta alguma, mas dizia que o prefeito não queria divisão no bairro e que queria uma chapa única.
Na campanha, apareceu o boato de que o prefeito tinha um projeto político que privilegiava seu grupo e dava atenção à liderança comunitária existente, a qual pouco havia feito pelo bairro.
Na véspera do dia da eleição organizou, em comum acordo com seus da chapa, uma carreata que impressionou pela quantidade de veículos (mais ou menos 30 automóveis, com buzinaço, enfeites de bexiga e muita alegria), talvez, maior do que a de muitos candidatos ao cargo majoritário do Poder Executivo, município afora.
A chapa apoiada pelo prefeito, composta na “cabeça” por um pastor de Igreja Evangélica sem expressão popular quase não aparecia, exceto em algumas inaugurações de obras junto ao prefeito e, na vice-liderança, um cidadão que já havia sido líder comunitário em outra ocasião, fizeram uma campanha, praticamente, através de funcionários da Prefeitura que, no instinto de preservar seus cargos, não vacilaram.
Deveras, a chapa “do prefeito” deixou para fazer a campanha nos últimos dias e no dia da eleição, 15 de agosto de 2021, o prefeito, o presidente da Câmara e mais vereadores, estiveram fazendo o corpo a corpo na frente da escola, onde estava instalada a urna de votação.
Houve princípio de confusão, aglomeração e bate-boca. Votação tumultuada e “quente”.
O fato é que o personagem dessa história venceu o pleito com diferença de 8,9% de um total de mais ou menos 1.500 votos. A chapa do prefeito e vereadores perderam no bairro onde mora o prefeito. Passados quatro dias, o prefeito recebeu a chapa vencedora em seu gabinete para uma reunião.
A reflexão
Na década de meados de 1960, o escritor Guy Debord (autor de “La société du spectacle”, publicado em 1967) fazia uma crítica ao consumo, a sociedade e o capitalismo, que muito bem pode-se aplicar às campanhas políticas, pois afirmava que a mercadoria, e, aqui, para essa reflexão, o indivíduo não era mais visto pelo “ter e ser”: ter qualidade e ser útil para a sociedade, mas pelo “aparecer”, onde o espetáculo do objeto é a ideia do que a mercadoria faz ao possuidor dela. A qualidade, o projeto de sociedade, etc., não importa mais.
Numa eleição, o espetáculo é o que mais importa, mesmo na história da eleição comunitária do bairro, assim como na de vereador, ou prefeito, o que se percebe é que pouco interessam às propostas, ideologias (como conjunto de ideias) ou o perfil objetivo da liderança comunitária.
O que prevalece na campanha é a imagem que o objeto, digo, candidato, através da propaganda pode, no final das contas, fazer para satisfazer desejo do consumidor, do eleitor. Sobre o espetáculo do produto de consumo, a candidatura, o aparecer tem mais força do que a utilidade, as propostas.
A propaganda não se faz mais como antes: remetendo a atenção para a utilidade do objeto, da mercadoria, mas ao desejo que se agrega à aparência desse e que ele pode satisfazer, com a aparência, os desejos do consumidor.
Destarte, assim como no consumo, na política, o ato de propagar tem reverberação quando mostra que vai concretizar um desejo individual do eleitor. Nisso, para ser eficiente, o ato político não precisa apontar para projetos de sociedade, mas deve ser ligado, por si só, a um outro ato do mesmo tipo que é a ilusão mágica do estar satisfeito.
Nesse sentido, a mudança legislativa das eleições gerais, ocorrida em 2016, reduziu o tempo de campanha eleitoral, forçando partidos políticos e marqueteiros a trabalharem as campanhas sem muito falar sobre propostas de sociedade, mas a divulgar o espetáculo do candidato.
Ao espetáculo, se junta à pós-verdade: o despertar das emoções e crenças, o discurso que gera aplauso. O político não mais precisa apresentar propostas, ser honrado e intelectual apenas aparecer e provocar no imaginário do eleitor a esperança de que seus desejos terão novo gás de satisfação e assim, ele se protagoniza. Falta no eleitor, o trabalho educacional da politização, da reflexão, não é espetáculo.
* CAREGNATO, Gilberto João. Reflexão à eleição de líder comunitário. Ago/2021. Autor: Bacharel em direito, graduado pela Faculdade Estácio de Sá / Vitória – ES (2009). Advogado, OAB/ES nº 16.281. Especialista em Direito Eleitoral pela PUC-MG (2020). Aluno especial em Antropologia e Sociologia pela UFES (2015/2016). Conselheiro Titular da OAB/ES (2019/2021). Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/ES (2019/2021).
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