Álvaro Augusto Lauff Machado, Gustavo Sipolatti, Alessandro Rostagno

O Novo Código de Ética do CARF: uma violação ao exercício da advocacia

Há tempos não se fazia tão relevante relembrar o texto do artigo 133 da Constituição Federal que – em firmes palavras – prevê expressamente que o advogado é indispensável à administração da justiça. O advogado, ou melhor, a advocacia, é peça fundamental na estrutura republicana e democrática de nosso Estado de Direito.
O papel exercido pela advocacia não é de cariz meramente privatístico ou estritamente mercantil; a advocacia é o fiel da balança na defesa dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros, seja em demandas de ordem privada ou coletiva.
Por essas mesmas razões que, dentre os plurais ramos do direito, destaca-se a atuação exercida pela advocacia brasileira nos inúmeros órgãos colegiados de julgamento de processos administrativos. São ambientes onde – a par das discussões doutrinárias sobre o tema – efetivamente é exercida uma jurisdição (ainda que latu sensu) administrativa e que permitem a deliberação qualificada e dialogada sobre os mais variados atos ou procedimentos (de matéria tributária, ambiental, urbanística, consumerista, dentre outras).
Dentre eles está em destaque, sobretudo no debate popular, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que, no dia de ontem (09.05.2019), ganhou a nova versão do Código de Conduta Ética de seus agentes públicos em exercício. Dentre diversos enunciados normativos que buscam disciplinar a atuação dos membros do CARF chamou a atenção o que dispõem os seus artigos 32, 33 e 34.
Com a novel “legislação de conduta ética”, o conselheiro do CARF somente poderá atender a advocacia se houver pedido prévio de agendamento de audiência, desde que se compareça no dia e hora designados e, ainda, mediante a presença de pelo menos um outro servidor acompanhando (e vigiando) o ato.
Não para aí. Após o início do julgamento do processo, ainda que em razão do debate exista pedido de vistas por parte de quaisquer dos conselheiros do CARF, é proibida a concessão de audiência para a advocacia.
Por fim, é também expressamente vedada qualquer outra espécie de discussão e debate entre conselheiros do CARF e advogados fora dos denominados “ambientes de audiência”. Criaram-se, pois, espaços fictícios (temporais e físicos) onde – e somente neles – pode ser exercida a advocacia.
O que deveria ser um instrumento para basilar as condutas éticas do Conselho Administrativo serviu, na verdade, como um mecanismo para caluniar o exercício de uma das atividades, como dito no início, indispensáveis à administração da justiça.
Sim, o texto afronta desrespeitosamente não apenas uma profissão, mas muito mais, afronta um dos elementos intrínsecos ao Direito que faz parte de nosso atual Estado Democrático. O Brasil é um Estado Democrático e de Direito exatamente porque, no âmbito do Direito, encontram-se como um dos atores constitucionais o advogado.
A despeito do que consta de forma antiética no texto em análise, a advocacia, sentimos dizer, não precisa de agendamento prévio para atuar em defesa dos interesses de seus representados; não precisa de ser vigiada quando do exercício de suas funções e, tampouco, depende de hora e lugar para atuar.
O direito de defesa é amplo e deve ser exercido sem amarras e sem grilhões que, com escopo de ordenar, na verdade limitam que a justiça seja perquirida. O direito de defesa é um direito de luta, um direito de resistência e, antes de tudo, um direito em ensimesmado.
O advogado pode ingressar livremente em qualquer ambiente onde deve praticar seus atos, indiscricionariamente (e isso não é devaneio desses autores, mas uma breve transcrição do que prevê a Lei Federal nº 8.906/94).
O infeliz texto do novel Código de Conduta Ética do CARF – sem sombra de dúvidas – exsurge no ordenamento sem qualquer substrato de validade e eficácia frente a Constituição Federal. Ousa-se ir além; o vício de inconstitucionalidade que não permite tal norma ingressar no sistema é de proporções maiúsculas, como poucas vezes antes visto. O que se violou foram – ao fim – os pilares do próprio Estado Democrático brasileiro: o Direito e a Justiça.

*Álvaro Augusto Lauff Machado - Doutorando em Direito pela PUC/SP, Vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES, Professor e advogado

 *Gustavo Sipolatti - Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES

 *Alessandro Rostagno - Membro da Comissão Especial de Direito Tributário do CFOAB, advogado

 

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