Arbitrariedades no julgamento, condenação e morte de Jesus Cristo



Após o domingo de Ramos, que festeja a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e marca o início da Semana Santa ou Semana da Paixão de Cristo, é importante uma reflexão sobre o ponto de vista cristão e jurídico da prisão, julgamento e condenação de Jesus Cristo. 

A priori importante observar que ao longo da história muitos cristãos sempre deram maior notoriedade somente a duas pessoas no episódio, quais sejam, Judas Iscariotes um dos apóstolos e Poncio Pilatos governador da Judéia entre 26 a 37 d.C, no entanto, a Bíblia faz vários esclarecimentos e narrativas que destacam outros envolvidos neste episódio, considerado por muitos juristas como um julgamento injusto, ilegal e escandaloso, do ponto de vista jurídico e das leis da época, sendo também esta a opinião de Ruy Barbosa, (apud Ribeiro, Roberto V. Pereira, 2010, pg. 33): 

 “No julgamento instituído contra Jesus, desde a prisão, uma hora talvez antes da meia-noite de quinta-feira, tudo quanto se fez até o primeiro alvorecer da sexta-feira subseqüente, foi tumultuário, extrajudicial, e atentatório dos preceitos legais”. 

A leitura de Marcos 14.1-2, deixa claro um plano dos chefes dos sacerdotes e os mestres da Lei para prender e matar Jesus em segredo. “Eles diziam: - Não durante a festa, para não haver uma revolta no meio do povo”, eles sabiam que Jesus tinha muitos seguidores. 

E aos seus seguidores Jesus ensinava normas de vida, tratar as outras pessoas como gostaria de ser tratado, combatia o pecado, mas acolhia o pecador, denunciava a hipocrisia e a crueldade, conversava com as mulheres, respeitava as crianças, tinha boa conduta, conhecimento e reputação invejável, ensinou a orar, amar, curou paralíticos, cegos, leprosos, mudos, enfim tinha a característica de santidade e sua missão era salvar os pecadores e perdidos. 

Muito embora tivesse um caráter manso e humilde, com todas as qualidades citadas e demais outras, combatia veementemente as injustiças sociais da época e não se calava diante da hipocrisia, violência, soberba, falsidade, arrogância e crueldade dos poderosos e autoridades da época. 

Por inúmeras vezes Jesus fazia discursos onde, sem meias palavras, declarava abertamente as atrocidades, ilegalidades, falsidades e arbitrariedades do comportamento dos escribas, mestres da Lei, dos sacerdotes e das demais autoridades da época.Estas atitudes lhe rendeu muitos inimigos dentre eles muitos poderosos, pois conforme lemos nas escrituras sagradas, os fariseus, os saduceus, os sacerdotes e os mestres da Lei o tempo todo tentavam buscar um prova contra Jesus, e a todas estas ciladas Jesus sempre tinha uma resposta com muito discernimento e muita sabedoria, o que calava e irritava profundamente seus inimigos. 

Os escribas e fariseus em tudo criticavam Jesus, pois o julgavam liberal demais, inclusive durante um banquete na casa de Mateus, apóstolo de Jesus que antes era um cobrador de impostos, questionaram o motivo de Jesus sentar-se e comer com cobradores de impostos e pecadores, ao que Jesus prontamente lhes respondeu: Não vim chamar os justos, mas os pecadores ao arrependimento.” (Lucas 5:29). 

Desafiou aqueles que estavam julgando a mulher flagrada em adultério e seria apedrejada, que atirasse a primeira pedra aquele não tivesse nenhum pecado, e todos foram embora. 

Quanto ao que se deve comer ou não, Jesus deixou claro que aquilo que entra na boca do homem não pode torná-lo impuro, porque não entra em seu coração, "...É o que sai da pessoa que a torna impura. Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições sem limite, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas essas coisas más saem de dentro da pessoa, e são elas que a tornam impura." (Marcos 7.14-23) 

Jesus Cristo não se calava diante de falsidades, atrocidades e injustiças, tampouco abaixava a cabeça diante das autoridades e daqueles que se julgavam poderosos. Com suas atitudes e palavras silenciou muitas autoridades políticas, jurídicas e religiosas que queriam impor à sociedade as leis e os ensinos religiosos, no entanto, não as cumpriam com fidelidade. 

Exemplo maior destas afirmativas, e que provavelmente despertou maior ira de seus inimigos, está no capitulo 23 de Mateus, onde Jesus esclarece à multidão que deveriam obedecer e seguir tudo o que os mestres da Lei e fariseus lhes diziam, porém não os imitassem nas suas ações, pois eles não faziam o que ensinavam. 

Afirma ainda Jesus que aquilo tudo o que fazem é para serem vistos pelos outros, preferem os melhores lugares nos banquetes, gostam de ser cumprimentados com respeito e ser chamados de “mestres”. 

E prossegue chamando-os de “mestres da Lei, fariseus hipócritas!”, “guias cegos!”, “tolos e cegos!”, “serpentes, raças de víboras”, além de condenar vários atos tais como o fingimento, exploração das viúvas, difamação dos templos religiosos, desobediências às leis e princípios religiosos, etc. 

Diante de tais ofensas, estes maliciosamente planejavam prender e matar Jesus, não era uma prisão para investigar, dar início a um processo, analisar a culpa e levá-lo a um julgamento, era um plano para matar Jesus.

Ciente deste plano, Judas Iscariotes, que, conforme João 12.4-6 era o tesoureiro do grupo e ladrão, aceitou um suborno de 30 moedas de prata para entregar Jesus. Após a prisão arrependeu-se, porém não foi um arrependimento eficaz. 

Talvez Judas tenha sido aquele que menor interesse tivesse na morte de Jesus, ao contrário das autoridades, dos mestres da Lei e dos Sacerdotes, pois Jesus ao entrar no Templo com sua atitude nada mansa, tampouco humilde, de soltar os animais, expulsar e chamar a atenção dos comerciantes e cambistas bradando: “Minha casa será chamada casa de oração!. No entanto, vocês fizeram dela um covil de ladrões.", (causou enormes prejuízos financeiros a Anás e Caifás, que eram os maiores favorecidos financeiramente com as vendas dos animais e o câmbio das moedas realizadas no Templo (Lucas 19.45-48). 

Os sacerdotes e os mestres da Lei, conforme narrado acima, e a Bíblia comprova em vários trechos, tinham uma grande animosidade com Jesus e inúmeros motivos para prendê-lo e matá-lo. 

Herodes Antipas, tetrarca de Herodes o Grande, também tinha interesse na morte de Jesus, eis que temia ser João Batista ressuscitado, a quem decapitou e presenteou sua cabeça num prato à Salomé atendendo seu pedido, após esta dançar de forma encantadora agradando a Herodes e seus convidados. 

Muito embora não fosse mais sumo sacerdote do Templo, o primeiro a receber Jesus após sua prisão foi Anás, conforme João 18.12-14, iniciando alí as torturas físicas e psicológicas, além de duas graves ilegalidades, primeiro porque Anás não era mais sumo sacerdote e não tinha nenhuma autoridade para interrogá-lo e, segundo, porque ao invés de levar para a casa de Anás, deveria ser conduzido preso para o Sinédrio, lugar apropriado para o interrogatório. 

Levaram então Jesus da casa de Anás para a casa do sumo sacerdote Caifás, que era genro de Anás, onde alí se reuniram os chefes dos sacerdotes, alguns líderes judeus e alguns mestres da Lei, que procuravam motivos para condená-lo. 

Em seguida o levaram à presença de Pilatos e apresentaram suas alegações e motivos para sua condenação, argumentando inclusive que a lei dos Judeus não permitia matar ninguém, no entanto, tais alegações e argumentos não convenceram Pilatos. 

Se a lei não permitia aos judeus o direito de “matar ninguém”, (João 18.31) permitia então entregar alguém para que o matassem? 

Tentou Pilatos enviar Jesus para ser julgado por Herodes, ao ouvir que Jesus era da Galiléia, alegando incompetência, já num segundo momento Pilatos afirmava que não via motivos para apenar o réu e disse: “Castigá-lo-ei, pois, e soltá-lo-ei.” (Lucas 23.16), ou seja, o réu não tinha culpa, porém seria torturado e liberado, tal iniciativa não foi suficiente, pois as autoridades queriam a morte de Jesus (Mateus 14.1-2). 

Pilatos então tentou soltar Jesus lembrando-se da anistia de Páscoa, onde um prisioneiro poderia ser solto, porém surpreendentemente o povo que alí estava exigiu que o perdão fosse dado a um notório criminoso e assassino, Barrabás. 

Não obstante Pilatos renovar a opção de escolha do povo, pois sabia que ali tinha um  inocente, a multidão novamente escolheu Barrabas e após a escolha pediu água, lavou as mãos na presença do povo, dizendo: "Estou inocente do sangue deste justo" (Mateus 27:24)

Sendo Jesus condenado à crucificação, antes, porém, foi barbaramente açoitado, torturado, o que era totalmente ilegal, pois a tortura romana era aplicada somente aos escravos e homens sem capacidade jurídica e Jesus Cristo era um homem livre. 

Não obstante tamanhas injustiças e ilegalidades, o pior está por vir, pois quando analisamos o julgamento? (houve julgamento?), chegamos à conclusão de Ubiratan Diniz de Aguiar prefaciando o livro de Roberto Victor Pereira Ribeiro - Julgamento de Jesus Cristo, o - Sob a Luz do Direito (pg. 27): 

“Jesus Cristo foi preso sem culpa, acusado sem indícios, julgado sem testemunhas legais, apenado com um veredicto errado e, por fim, entregue à mercê da boa vontade de um Juiz, no caso o Governador Poncio Pilatos, covarde, imparcial e inepto para o exercício da judicatura”. 

Primeiro cumpre observar as acusações formais contra Jesus Cristo e que, durante leituras bíblicas nos livros de Mateus, Marcos, Lucas e João, se observa que não tem sequer fundamentação, vejamos: 

Acusaram Jesus de incitar o povo Judeu, proibindo de pagar imposto a César. 

Da leitura de Mateus 22. 15-22, vê-se que o réu em momento algum incitou o povo ao não pagamento de tributos à Cesar, antes pelo contrário, livrando-se de uma tentativa de armadilha dos fariseus, pediu uma moeda e questionou aos presentes: “De quem é esta efigie e esta inscrição?, responderam ser “de César", imediatamente  Jesus lhes disse: "Então, dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 

Acusaram-no de se autodenominar Rei, tal crime era preconizado nas XII tábuas e a sanção era a morte, sendo uma acusação gravíssima aos olhos de Roma. 

Conforme leitura de Lucas 9-58, Jesus responde àquele que deseja segui-lo: "As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça", deixando claro que os poderosos e as autoridades da época tinham lugar para seu conforto, porém aquele que pretende segui-lo estará sujeito à todas intempéries da missão, sem o mínimo conforto. Com esta afirmativa e outros discursos proféticos, jamais Jesus se autodenominava Rei. 

O acusaram ainda de ser agitador do povo, propagar a revolta contra o império romano. 

Novamente a inocência do réu poderia ser provada através das pessoas que estavam presentes no Sermão da Montanha (Mateus 5.1-10), onde Jesus entre outras mensagens deixa claro que: Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus! [...]  Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!, e ainda com ralação à Paz: [...] Bem-aventurados os Defensores da Paz, porque serão chamados filhos de Deus! . 

Vejamos alguns exemplos das arbitrariedades, ilegalidades e injustiças na prisão, condenação e morte de Jesus Cristo à luz do Direito vigente na época. 

Jesus foi procurado e preso ilegalmente à noite, sem qualquer mandado de prisão, sem acusação formal ou denuncia na véspera de feriado da Páscoa, sendo que nos dias de feriados eram proibidas prisões e julgamentos, e a Misnah 4.1 (espécie de súmulas editadas pelo Sinedrio) preconizava a proibição expressa de qualquer ato judicial formalizado à noite. 

Vários soldados romanos, que não poderiam estar ali, a menos que o preso ficasse sob a custodia de Roma, acompanhavam a multidão armada de espadas e varas, enviada pelos chefes dos sacerdotes, mestres da lei e líderes religiosos para prenderem Jesus, que não mostrou nenhuma resistência, apenas questionou: “Todos os dias eu estive com vocês, ensinando no templo, e vocês não me prenderam” (Marcos 14.48-50). 

A falsa imputação de crime à Jesus não foi sequer investigado, pois não houve acusação formal, interrogatório, tampouco julgamento pelo Tribunal competente. 

Pois, no Direito Romano, responsável pelo Julgamento(?) de Jesus Cristo, havia a exigência de designação do lugar e da hora do crime, além da prisão preventiva do acusado, e todo procedimento do processo era público, contraditório e oral. 

O réu deveria ser interrogado sobre a acusação, e o advogado acusador possuía duas horas para apresentar o caso. Logo em seguida, os advogados de defesa tinham uma hora a mais. No caso de Jesus houve interrogatório ilegal na casa de Anás (já não era Sumo-Sacerdote do Sinédrio), além de não ser nomeado legalmente a defesa. 

A confissão era proibida, somente considerada se associada a duas testemunhas que formavam as provas. Caifás, o presidente do Tribunal, interrogou Jesus, porém de acordo com a Lei Judaica era obrigatório responder sob juramento de testemunho, o que não ocorreu. 

Os membros do Sinedrio sequer foram intimados, poucos foram convocados com urgência no meio da noite, somente àqueles que já tinham se reunido para decidir sobre a prisão de Jesus. 

Havia proibição de participação no julgamento qualquer parente, amigo ou inimigo do acusado. Todos que ali estavam eram inimigos de Jesus. 

O Julgamento de Jesus foi inferior a 24 horas, porém sentença de morte nunca era pronunciada no mesmo dia. 

O anuncio da sentença, em caso de pena capital nunca era pronunciada no mesmo dia, deveria ser no dia subseqüente, os juízes retornavam as suas casas, não deveriam ocupar a mente com mais nada, somente considerar e reconsiderar a evidencia do caso, no entanto, neste episódio o veredicto foi proferido no mesmo dia, sendo tal julgamento (?) inferior a 24 horas. 

No Direito Romano, da sentença cabia a appelatio para o órgão superior, e no Direito Judaico, em caso de unanimidade o julgamento era inválido e tinha efeito de absolvição, no entanto, concluído o interrogatório por unanimidade proferiram o veredicto: É réu de morte. (Marcos 14:64).

Outra flagrante de ilegalidade é que, conforme se deduz da leitura do Levítico (24.15-16) o apedrejamento era o modo ordinário de se aplicar a pena capital, prescrita pela lei dos hebreus: 

"Fala aos filhos de Israel nestes termos: quem ultraja o seu Deus, suportará o castigo do seu delito. Aquele que proferir blasfêmias contra o nome do Senhor, será punido com a morte e toda a congregação o apedrejará. Quer seja estrangeiro, quer seja natural do país, se proferir blasfêmias contra o nome do Senhor, será punido com a morte".(grifamos) 

No entanto, conforme sabemos, Jesus Cristo foi condenado à crucificação e tal  penalidade era aplicada às classes inferiores, aos escravos, criminosos violentos e infratores envolvidos com sedição, não sendo nenhuma das hipóteses o caso do réu. 

CONCLUSÃO: 

No nefasto episódio, sem analisar do ponto de vista religioso, concluímos que, da aliança entre as autoridades políticas e religiosas judaicas e os romanos, o julgamento de Jesus Cristo demonstrou a falibilidade da justiça humana, no seu grau máximo, o acusado foi simplesmente entregue aos seus acusadores; audiência realizada à noite; a acusação não foi precisa; fundada em um único depoimento; não se faz prova nenhuma das imputações; o delito não foi definido, pois não designou os acusadores; não indagou se o acusado tinha um defensor; não concedeu ao acusado os prazos da lei para que ele escolhesse seus advogados; não proferiu a sentença em termos regulares, tendo sido proferida em menos de 24 horas; não obstante haver o juiz reconhecido sua inocência a sua condenação foi a morte, ferindo inúmeras disposições legais Judaicas e regras elementares do Direito Romano, enfim, Jesus de Nazaré não foi condenado, foi torturado e assassinado. 

ILMA DE CAMARGOS PEREIRA BARCELLOS é graduada em Administração pela Faculdade Cândido Mendes (Vitória-ES) e Direito pelo Centro Universitário Vila Velha (UVV). Advogada militante. 

Referencias:

Araújo, Durvalina Maria de. JULGAMENTO DE CRISTO E SUAS IRREGULARIDADES. Disponível em: www.viajuridica.com.br/downloads/julgamentojesus.doc‎. Acesso em 10/04/2014. 

Bíblia Sagrada: Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Edição em letra grande. Barueri (SP) Sociedade Bíblica do Brasil, 2001. 

Ribeiro, Roberto V. Pereira.   JULGAMENTO DE JESUS CRISTO, O - SOB A LUZ DO DIREITO.  Editora: EDITORA PILLARES, 2010.

Site: www.bibliaon (Acesso em 08/04/2014)

 

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