Comissões em debate

Comissão amplia debate sobre sistema tributário no Brasil



Os assuntos que envolvem a palavra “tributo” são de interesse de toda a sociedade, já que a finalidade da cobrança é a de financiar os gastos do Governo, custeando as despesas públicas. Mas a discussão vai muito além dessa finalidade prática. Por isso, dentro da OAB-ES, existe a Comissão de Direito Tributário, que discute, sugere e propõe ideias ligadas a essa sistema.

Na visão do presidente da comissão, Gustavo Sipolatti, o sistema tributário do Brasil é um dos mais complexos do mundo e existe uma grande e incessante produção diária de normas.

Sipolatti é o segundo entrevistado da série "Comissões em Debate",  que conta com a participação de presidentes das Comissões Temáticas da OAB-ES.  Confira a íntegra da entrevista:

Qual o cenário atual do Brasil diante do direito tributário?
GUSTAVO SIPOLATTI - A realidade tributária afeta a todos, num órgão sensível, o bolso. Em tempos de crise a sensibilidade é ainda maior.
O ônus suportado é muito grande, sendo lugar comum para o brasileiro a rejeição ao cumprimento das obrigações tributárias, a qual se sustenta quase que exclusivamente pelo temor à autoridade do poder público.
Nessa relação de poder e força vemos alguns retrocessos, que ao que tudo indica não sobrevivem a uma leitura mais atenta da Carta Constitucional, por afrontar direitos básicos do contribuinte e da advocacia.
O exemplo mais recente veio a ser a edição de um código de ética pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da União, que viola as prerrogativas dos advogados, impedindo a prática de atos rotineiros, como a simples entrega de memoriais após suspensa a sessão de julgamento por realização de vistas, e a limitação para realização de despacho perante os seus integrantes. Soma-se a isto a tendência de criminalização das relações tributárias. Há também um estímulo a se ampliar os meios de coerção do contribuinte, o que tem ganhado notada velocidade pelas inovações da informática, as quais são difíceis para qualquer um acompanhar.
O problema todo nessa relação de desproporção de força é o poder de destruição da atividade fiscal, que caso não adequada aos comandos e aos valores constitucionais, acaba inviabilizando o sistema produtivo e o mais grave, aniquila as condições mínimas de sobrevivência e de dignidade do contribuinte.
Tudo isso se acentua num momento de crise econômica e num sistema de processos de massa. O maior cliente do nosso judiciário é o poder público e notadamente é assombroso o número de execuções fiscais que tramitam perante a justiça. Nesse ambiente o cidadão se torna um número de conta e deixa de ter identidade.
O Poder Público não está completamente insensível a este quadro, o Judiciário tem se esforçado para diminuir o grau de judicialização de demandas.

Qual o papel da Comissão?
O papel precípuo da Comissão de Direito Tributário é de assessorar a nossa Ordem em matéria tributária, tanto no aspecto de responder as demandas que surgem pelos canais próprios, como também realizar ações propositivas, para assegurar o protagonismo da advocacia nesta seara tão relevante e cara para toda a sociedade capixaba.
Para tanto, em termos propositivos elaboramos um tripé: a) político, em que se destaca conscientizar e otimizar a atuação do advogado tributarista, aproximando-o da sociedade e do poder público; b) acadêmico, com o estímulo aos estudos, a elaboração de artigos e a realização de congresso em direito tributário; e, c) profissional, identificando questões de interesse prático, para transmitir conhecimento que tenha relevância no dia a dia, viabilizar a inserção do advogado no mercado e realizar uma interação interdisciplinar com profissionais de setores correlatos, por meio de reuniões e trocas de experiência.

Quais ações efetivas já foram realizadas e quais devem ser?
Nossa Comissão realizará no próximo dia 26 de setembro o evento Reforma Tributária – Setor Produtivo e Federalismo, dedicado à advocacia capixaba e a toda a sociedade. O Espírito Santo será o centro do debate nacional do Direito e da Economia, esse é o próximo ponto de pauta nacional. Diversas propostas estão tramitando perante o Executivo e o Legislativo, então o momento de se discutir, refletir e fazer o bom debate é este. Esse evento está sendo feito com muito carinho, em que destaco o comando do nosso Diretor Acadêmico Alessandro Rostagno e a dedicação dos Doutores Marcelo Alvarenga e Rachel Freixo, tudo está sendo feito com muita preocupação para que o seu resultado gere uma reflexão e uma atitude crítica, nós teremos a participação do governador do Estado, Renato Casagrande, do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra Cavalcante de Albuquerque, do nosso presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk Filho, do presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Sérgio Luiz Teixeira Gama, do nosso deputado federal Da Vitória, do Professor Roque Carrazza, do deputado federal e relator da Reforma Tributária na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, João Roma (PRB-BA), do deputado federal e relator da Comissão Especial da Reforma Tributária também na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), do empresário e ex-candidato à Presidência da República Flávio Gurgel, do procurador-geral do Estado, Rodrigo de Paula e dos ex-deputados federais Virgílio Guimarães e Luiz Carlos Hauly, entre outras autoridades.

Ainda, além das tarefas ordinárias da comissão, de resposta a consultas, ela vem se reunindo mensalmente. Em cada em encontro são realizadas em sua abertura minipalestras pelos seus membros, já se apresentaram os doutores Alessandro Rostagno, Álvaro Lauff, José Eduardo Ramos e Victor Marques, sempre abordando temas atuais do direito tributário.
Já na linha de interação com a sociedade e na proposta de se propagar conhecimento, se destacam a realização do projeto cidadania fiscal, o qual já foi gestacionado e aprovado pela Coordenadoria Geral. O projeto cidadania fiscal tem essa preocupação de transmitir conhecimentos básicos aos alunos das escolas secundárias, públicas e privadas, sendo apresentado pelos membros da Comissão, em que se destaca a condução pelo Dr. Marcelo Alvarenga, que tem sido ajudado por um seleto grupo de apoio, inclusive pela Doutora Valéria Fundão. Vamos tentar produzir um vídeo para ampliar o alcance na divulgação de seu conteúdo.
Estamos também confeccionando cartilhas educativas, voltadas para os seguimentos mais vulneráveis da sociedade com o trabalho coordenado pelo Doutor Thiago Nader, voltado para os portadores de necessidades especiais, a melhor idade, população de menor renda, para os portadores de doenças, as microempresas e área de inovação e tecnologia. Trata também dos benefícios fiscais e do terceiro setor. Por fim, sobre garantias e direitos do contribuinte frente ao fisco.
Haverá também uma cartilha para a Advocacia como um todo, dando orientações sobre a melhor forma de estruturação das sociedades para fins tributários, o que vem sendo conduzido pelo vice-presidente, Álvaro Lauff.
Além disso, há uma programação acadêmica, com a produção de artigos, obras e a elaboração de um congresso em matéria tributária.
Já foram realizados pareceres, em que se destaca um de interesse de toda a advocacia capixaba, regulamentando a forma de atuação dos advogados perante os Conselhos Fiscais de Estudo e Julgamento, o que veio a ser submetido e aprovado pelo nosso Colendo Conselho Estadual, sendo editada Resolução neste sentido. Rendo as minhas homenagens ao excelente trabalho realizado pelo doutor Ciro Benevuto e pelo doutor Augusto Mansur.
Eles também estão elaborando um amplo estudo, fazendo um levantamento e proposta de projeto abordando os 78 municípios capixabas sobre a importância da criação de órgãos de julgamento, com a participação de representantes da sociedade, especialmente da advocacia na sua composição.
Os participantes da Comissão também vêm constantemente informando a sociedade por meio de artigos e entrevistas sobre temas de interesse da advocacia e da própria sociedade.
Já veio também a ser apresentado e aprovado junto ao Conselho nota de repúdio ao Código de Ética do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, fruto do esforço capitaneado pelo nosso vice-presidente Álvaro Lauff.
Já fizemos boas coisas, estamos fazendo outras e muito mais será feito.

Como tem sido a participação e envolvimento dos membros?
Com o apoio irrestrito e compreensão do presidente José Carlos Rizk Filho e do Coordenador de Comissões, Alberto Nemer, se oportunizou a composição da comissão da forma mais ampla e participativa possível.
Importante pontuar que o trabalho desenvolvido na Ordem é voluntário e a força da Comissão vem da qualidade dos aproximadamente 60 advogados tributaristas que a compõem.
Pela boa quantidade de participantes, a comissão veio a ser dividida em três subcomissões, a institucional, a acadêmica e a de advocacia tributária.
A institucional trata de temas políticos e a interlocução com as outras duas subcomissões que lhe dão constante apoio e suporte. A acadêmica cuida da parte da elaboração de eventos e material produtor de conhecimento. Já a de advocacia tributária aborda aspectos práticos do dia a dia do tributarista, realizando reuniões em separado, com uma preocupação interdisciplinar, ligada ao plano profissional, para auxiliar, atualizar e possibilitar a inserção do advogado neste mercado de trabalho relevante, complexo e específico.
A comissão acaba sendo um reflexo da Ordem na atual gestão, sendo a casa que acolhe, acompanha, nutri e faz crescer o advogado capixaba, o que é muito importante para a nossa sociedade.

De que forma a Comissão pretende atuar ?
Cumprimos uma tarefa árdua e ambiciosa de plantar uma semente para propagar o conhecimento tributário, criar a consciência sobre os direitos e deveres na advocacia e na sociedade.
A preocupação é romper o paradigma formal (autoritário), alcançar o campo material (compreensão da importância dos direitos e deveres) e realização no campo prático, com a diminuição da tensão para a sociedade e por consequência para o próprio gestor público.
Não podemos continuar a ser por toda a eternidade uma nação que tem ojeriza ao pagamento de tributos, para tanto temos de tentar compreender esse fenômeno e evoluir.
Consequentemente, a sociedade como um todo poderá melhor cobrar a execução dos serviços públicos, participar das políticas de elaboração de normas, constituição das obrigações e discutir os meios de sua satisfação de forma mais adequada.
Temos de entender o que pagamos, para quem pagamos, se é razoável esse pagamento e como vem sendo feita a realização desses gastos.
Apenas assim, com a criação de cultura, que poderemos romper a ojeriza aos impostos e o paradigma da autoridade meramente formal do fisco, de que o tributo deve ser pago, pois do contrário o contribuinte sofrerá as suas consequências, para então chegarmos a uma nova postura, de se entender a importância de se pagar tributo, pois teremos bons e adequados serviços em razão deste pagamento.
Se conseguirmos criar cultura, qualquer ação da advocacia com a participação consciente e legítima da sociedade é uma causa ganha para o cidadão brasileiro.

Quais são as pautas em discussão no âmbito nacional, ligadas ao direito tributário, que a Comissão pode se envolver ou já se envolve?
Tem sido anunciada uma reforma nacional para se tentar colocar ordem na casa.
O tema tem tomado as manchetes, inclusive com diferentes propostas do executivo federal e agora com proposta própria do legislativo.
Há uma constatação comum que deve ser tentada a criação de amarras a esse complexo e disfuncional sistema normativo, para se libertar o setor produtivo e se aumentar o número de empregos. O ideal é que se simplifique ao máximo o complexo sistema tributário e se busque um equilíbrio fiscal, para que o contribuinte e o sistema produtivo rompa as suas amarras e se possível exploda o crescimento que o nosso país tanto precisa, e se assegure também a distribuição e a execução de recursos de forma mais justa, para que o nosso irmão mais humilde e necessitado possa usufruir de recursos que lhe garantam uma vida digna e ganhe condições de independência.
Em última palavra se está falando de comida na mesa do brasileiro.
Contudo, qualquer projeto normativo de tamanha amplitude e importância, que venha a ser elaborado, demanda a participação da advocacia. Desta forma, temos a participação de um dos nossos diretores no Conselho Nacional de Direito Tributário, o Dr. Alessandro Rostagno, que foi designado pela OAB Nacional para participar, junto ao Congresso, em Brasília, como representante da Ordem para acompanhar a Reforma Tributária.
A Comissão local funcionará como instrumento de apoio para todos os seus membros, somos um canal de conexão e comunicação.
Mais do que nunca, a advocacia tributária capixaba também deve se colocar ao lado do Estado do Espírito Santo para compreender os impactos locais que podem surgir com a reforma e possa se postar politicamente em âmbito nacional.
Estamos também participando de um relevante trabalho, de grande interesse do setor produtivo e de forma conjunta com as demais Comissões, presididas pelos Doutores Alberto Ferrugini, Gustavo Corteletti, João Dal Col e Bruno da Luz sobre a Medida Provisória 881, que foi batizada como a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica.
Muita coisa boa também virá da participação conjunta com as demais Comissões.

Qual a avaliação sobre o tratamento dado ao direito tributário no Espírito Santo?
Vivemos numa federação. O tema do direito tributário acaba repercutindo no capixaba em todas as suas frentes, pois temos estruturas municipais, estaduais e federais que aqui atuam.
As instituições no nosso Estado funcionam muito bem, mas notadamente vem a ser destacada a grande quantidade de execuções fiscais tramitando nas varas federais e nas varas fazendárias de competência municipal e estadual.
O período de crise econômica aliado ao complexo sistema normativo já destacado tendem a aumentar esse quadro de alta judicialização.
Há medidas que vem sendo tomadas e que a Advocacia Tributária naturalmente acompanha no seu dia a dia, pois quando o cobertor é curto, acaba apertando para todos os lados, tanto para o gestor público, que não consegue arrecadar o que precisa, quanto para o cidadão, que não consegue pagar o que deve.
A advocacia deve se aproximar da sociedade e do poder público e vice-versa, para o bem de todos, apenas para citar, temos milhares de execuções fiscais cobrando IPTU, tramitando nas varas fazendárias municipais e todos esses devedores, que são cidadãos desesperados para cumprirem os seus deveres, correm o risco de perderem as suas residências, como consequência de eventual processo executivo. Situações extremas também ocorrem quando atuações são geradas e chegam a resultados formalmente precisos, mas dissociados da realidade, com alto poder destrutivo do patrimônio e da capacidade produtiva do contribuinte.
Nessas horas, para que a atividade tributária não se resuma ao simples poder de destruição, que a advocacia deve estar próxima para que haja a reflexão e se construa uma via de solução dentro da lei minimamente razoável.

O que precisa para melhorar?
Não podemos continuar e perpetuar a cultura do encastelamento, com a sociedade tendo o sentimento quase unânime de repulsa ao cumprimento de suas obrigações que não participa, não entende e não suporta, as quais acabam se sustentando por questões unicamente de autoridade e não de legitimidade.
Há uma necessidade urgente de que a Advocacia Tributária se torne um centro direcionador de produção de boa postura.
Se destaca aqui no Estado a boa postura do nosso Governador, como também do Prefeito de Vitória, ao assegurar uma cadeira para a sociedade representada pela ordem nos órgãos de julgamento nos conselhos fiscais.
Estamos trabalhando para que este modelo se espalhe para os demais entes municipais, em especial para os municípios que já possuam uma estrutura complexa.
Aqui no Espírito Santo temos 78 municípios que editam normas e tem processos próprios, muitos dos quais podem ser aperfeiçoados e atender aos mandamentos constitucionais.
Como contraponto dessa promissora realidade capixaba, lamentamos a tendência de retrocesso em âmbito federal, que se nota desde 2015 e tem se mantido neste ano de 2019, já aqui noticiada pela nota de repúdio aprovada pelo nosso Conselho ao código de ética editado pelo CARF, que desrespeita frontalmente o Estatuto da Advocacia.
A administração fiscal federal, aparentemente, tenta afastar a advocacia do processo administrativo.
Esse encastelamento notado nesses últimos anos já tem gerado distorções, recentemente foi noticiado desrespeito de uma das decisões produzidas pelo CARF a um relevante e histórico entendimento produzido pelo Pleno do STF a favor dos contribuintes, que excluiu da base de cálculo do PIS e da COFINS o ICMS, a ideia é básica, tributo não pode tributar tributo em cascata.
Infelizmente, o CARF, em tema tão caro ao contribuinte e ao direito, parece ter se colocado acima do STF, ao arrepio da lei e da prática de todos os demais órgãos de julgamento, o que somente serve para trazer insegurança e alimentar esse ciclo que estamos querendo quebrar. Precisamos sempre evoluir e renovar.
keyboard_arrow_up