Artigo: O sistema do Distritão – mudar para ficar tudo como está
Artigo
Por: Luciano Ceotto, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral e Político OAB-ES
O SISTEMA DO DISTRITÃO – MUDAR PARA FICAR TUDO COMO ESTÁ
O romance O Leopardo, obra de publicação póstuma do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, narra a história de um aristocrata da Sicília que num tempo de mundanças da era do Resurgimento atua com astúcia e dissimulação para manter o antigo modo de vida.
Por aqui, estamos novamente a ver discussões sobre reformas politico-eleitorais no congresso. Para viger já no pleito de 2018 devem ser aprovadas até um ano antes da eleição em obediência à regra da anterioridade eleitoral prevista no artigo 16 da Constituição.
As razões invocadas para a mudança das regras são de que o sistema eleitoral atingiu seu esgotamento, há crise de representatividade, é necessário baratear o custo da democracia e que o número de partidos é excessivo. Trocando em miúdos, as premissas são basicamente as mesmas que embasaram todas as outras reformas feitas nos últimos 20 (vinte) anos.
A novidade desta vez é a criação do distritão, que seria um modelo de eleição parlamentar onde o critério da distribuição proporcional dos votos entre os partidos e coligações não seria mais utilizado para a atribuição de cadeiras nas casas legislativas. Com o distritão, seriam eleitos os candidatos sufragados com o maior número absoluto de votos ocupando as vagas abertas apenas obedecendo à ordem de classificação a partir do candidato mais votado. Na prática importará na transformação do sistema eleitoral parlamentar de proporcional para o puro e simples sistema majoritário.
Embora em princípio o distritão seja mais fácil de entender, a simplicidade do seu mecanismo é também o seu maior defeito. Ao permitir que a distribuição de vagas legislativas se dê unicamente pelo critério numérico majoritário, todos aqueles votos dados a candidatos não eleitos serão desprezados, ou seja, não servirão para eleger ninguém. Tome-se como exemplo a eleição de 2014 que, segundo dados do TSE, contou com um total de 7.018 candidaturas registradas para diputar as 513 vagas na Câmara Federal. Bem ou mal, todo o universo de votos da eleição serviu para eleger alguém e refletiu a exata proporção das forças políticas em concorrência naquela eleição. Se estivéssemos sob o sistema do distritão, apenas os votos dados aos 513 primeiros colocados serviriam para a formação do parlamento, tornando todos os demais sufrágios inúteis ou “votos perdidos” para usar o termo mais popular.
Pode-se intuir ainda que essa mudança favorecerá os candidatos mais conhecidos, em especial, aqueles já detentores de mandato eletivo, cujo acesso à mídia, verbas de gabinete e a própria visibilidade do mandato já os coloca em melhor posição de largada do que quaisquer outros pretendentes ao cargo. Aplica-se aqui a história criada por Lampedusa que em seu romance épico consagrou a famosa frase: A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude. Trazendo para nossa realidade a mudança vem para manter no Poder quem nele já está.
Critica-se o sistema atual de eleição proporcional por lista aberta com o argumento simplista de que o eleitor vota em A, mas elege B e que o Distritão acabaria com essa distorção apelidada de “efeito tiririca”. Todavia, são desconsideradas completamente as vantagens que ele proporciona. A formação de alianças; as frentes eleitorais, inclusive, a possibilidade de concentração de votos ideológicos ou de categoria em determinada chapa de candidatos seria eliminada. Explico: no atual sistema as vagas parlamentares são ocupadas conforme número de votos obtidos pelos partidos e coligações. As respectivas cadeiras são ocupadas pelos candidatos mais bem votados dentro do partido ou coligação.
Alguém poderá dizer que o sistema vigente faz com que pouquíssimos um nenhum parlamentar seja eleito “com seus próprios votos”, todavia, esse é um argumento sem sentido pois é da natureza do sistema que as cadeiras legislativas sejam ocupadas por parlamentares de um determinado partido ou coligação eleitoral. O mecanismo funciona exatamente como forma de despersonalizar a chapa da pessoa do candidato privilegiando o coletivo que ele representa em detrimento do personagem. Assim, atualmente, tem-se um modelo que busca o equilibrio entre os segmentos sociais e sua representação perante o Poder Legislativo.
Já no modelo do distritão, a escolha dos parlamentares desconsidera o universo de votos e permite que os eleitos sejam aqueles apoiados por uma minoria do eleitorado, pois consagra eleito o candidato que teve mais votos que os demais não importanto se a soma de todos os demais votos dos “não eleitos” supere em muito o total de votos dados aos primeiros lugares.
Qualquer alteração no regime de escolha de Deputados e Vereadores deveria necessariamente perpassar por alterações nas regras da disciplina e fidelidade partidária para estimular uma maior congruência entre as plataformas e alianças formadas para a eleição e sua efetiva aplicação durante o período de governo. Afinal, numa democracia que se presume multipartidária e de pluralismo político, o voto de qualidade é aquele que favorece uma determinada visão de mundo e não apenas o carisma dos candidatos. Nesse contexto, o sistema eleitoral ajuda quando estabelece regras que atrelem os detentores de mandatos eletivos ao conteúdo programático de seus partidos e às propostas ofertadas ao povo durante a campanha eleitoral.
A PEC nº 77/2003 será submetida à votação na Câmara dos Deputados até o final de setembro de 2017, mas só entrará em vigor se aprovada em dois turnos, por pelo menos três quintos dos votos dos Deputados Federais. Mais uma vez, a mudança vem para deixar tudo como está, não se impõe fidelização às siglas partidárias e a vontade manifestada nas urnas pelo eleitorado ficará relegada à posição de somenos importância no processo político-eleitoral.