Artigo: O que você faz entre um homicídio e outro?
Por: Verônica Bezerra, advogada, Presidente da CDH/OAB-ES, membro do CADH.
Então, você que assistiu a notícia pasteurizada do dia 27/12/2016, e se indignou com a morte violenta do ambulante dentro da estação do metrô em São Paulo. E que do alto da sua indignação, mas do conforto de seu sofá e tendo ao lado um bom cabernet sauvignon, postou nas redes sociais a sua “indignação”, mantendo, lógico, a distância regulamentar de segurança, que o protege de sentir o cheiro do sangue e grito das vítimas, preciso te contar um segredo:
Cenas como essas acontecem diariamente em nossas periferias, contra a população jovem, negra, pobre, mulher e LGBTT.
O Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 mil homicídios em 2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos registrados em 2003, conforme Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP).
Diariamente jovens são exterminados, por serem negros, e sendo-lhe relembrado, com falas “sutis” que as modernas senzalas e navios negreiros ainda estão por aí. A pesquisa ainda revela que jovens negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas.
Cotidianamente pobres são expostos ao sistema opressor que desfigura a sua condição humana, é que de certa forma sustenta uma elite, que os tratam como descartáveis. A pesquisa também mostra que o nível de escolaridade é um fator determinante para se identificar os grupos mais suscetíveis às mortes por homicídio. Segundo o Atlas da Violência, um jovem de 21 anos, idade de pico das mortes por homicídios, e com menos de sete anos de estudo tem 16,9 vezes mais chances de ter uma morte violenta do aquele que chega ao ensino superior.
Todos os dias mulheres são vítimas de uma violência que atinge profundamente a sua existência e atuação, seja ela física, moral ou psíquica. No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875.
Diuturnamente a população LGBTT é aviltada, coisificada, diminuída e morta, com requintes de crueldade. O Grupo Gay da Bahia (GGB) indica que 318 gays foram mortos em 2015 em todo o País. Desse total de vítimas, o GGB diz que 52% são gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais.
Diante desses números a realidade se apresenta, mas a passividade da maioria, deveras me assombra. A letargia e o cinismo dos que possuem cem por cento o discurso “politicamente correto”, mas não dá nenhum passo ao encontro do outro estranho que precisa, realmente me traz repulsa.
Gilberto Velho, nos ensinou que damos tratamento diferenciado àqueles que não pertencem ao “nosso grupo”. Ou melhor, somente cuidamos daqueles que estão no nosso grupo, e para com aqueles que estão no outro grupo somos expectadores e destilamos indignações, que soam falaciosas e oportunistas.
E daí te pergunto: - O que você tem feito entre um homicídio e outro?