
Claudio Ferreira Ferraz
O “Dia da Terra” em meio à pandemia do COVID-19
No dia 22 de abril comemora-se no mundo todo o “Dia da Terra”
A ideia teve início há 50 anos, nos Estados Unidos, quando o Senador ativista Gaylord Nelson, influenciado pelo desastre ambiental provocado pelo vazamento de petróleo em Santa Bárbara, na Califórnia, em 1969, decidiu unir a energia dos movimentos estudantis contrários à Guerra do Vietnam ao crescimento da consciência ambiental no território americano.
Nelson inicialmente idealizou um evento educacional nos campus universitários voltado para o ensino e discussões acadêmicas em torno do meio ambiente. Ele escolheu o dia 22 de abril como a data ideal para maximizar a participação dos estudantes, já que era uma quarta-feira, ou seja, no meio da semana, e estava situada entre o intervalo pós inverno (Spring Break) e as provas finais do semestre.
A repercussão positiva do Dia da Terra (Earth Day) foi muito além das expectativas iniciais de Nelson. Mais de 2.000 faculdades participaram, juntamente com milhares de escolas primárias e secundárias e comunidades grandes e pequenas. A Quinta Avenida, em Nova York, foi fechada e o Congresso foi encerrado quando dois terços de seus membros falaram em eventos.
O Dia da Terra inspirou milhões de americanos a irem às ruas, parques e auditórios para see manifestarem contra os crescentes impactos negativos da falta de proteção do meio ambiente. Para muitos, o Dia da Terra marca o início do “movimento ambiental moderno”.
Evidentemente que antes do Dia da Terra existiram outros importantes eventos que marcaram a emergente preocupação do homem com o meio ambiente nos Estados Unidos – como a criação do grupo conservacionista Sierra Club pelo Presidente Theodore Roosevelt, no final do século dezenove, a criação de Parques e Florestas Nacionais durante o governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, o movimento contra testes nucleares em 1954 e a marcante edição, em 1962, do livro Silent Spring, onde a bióloga e escritora Rachel Carson alerta sobre o perigo do uso de pesticidas, entre outros – mas nenhum deles teve tanta capacidade de unir os mais diversos grupos que lutavam individualmente contra eventos isolados (tais como vazamentos de petróleo, poluição atmosférica, construção de usinas de energia, despejo de lixo tóxico, pesticidas, construção de rodovias em áreas de preservação, extinção de espécies e desmatamento) em uma única voz que materializou uma consciência ambiental emergente e colocou a preocupação com a conservação do meio ambiente como prioridade.
O Dia da Terra em 1970 alcançou um raro consenso político, contando com o apoio de republicanos e democratas, ricos e pobres, moradores e agricultores urbanos, líderes empresariais e trabalhistas. Naquele mesmo ano, como fruto dos debates e do clima político que se instalou após 22 de abril, foi criada a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA – Environmental Protection Agency) e foram promulgadas as primeiras leis de proteção ambiental norte- americanas.
Em 1990, o Dia da Terra foi internacionalizado, mobilizando 200 milhões de pessoas em 141 países e elevando as questões ambientais para o cenário mundial. Na ocasião foi dado um grande impulso aos esforços de reciclagem em todo o
mundo e pavimentado o caminho para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro.
A importância do dia 22 de abril somente foi reconhecido pelas Organização das Nações Unidas em 2009, quando a entidade instituiu na mesma data o “Dia Internacional da Mãe Terra”.
Hoje, 22 de abril de 2020, pouco se tem a comemorar. A humanidade atravessa um momento de grande desafio. Se já não bastavam as ameaças advindas do fenômeno da mudança climática na terra, agora enfrentamos um inimigo que, diferentemente do primeiro, ninguém nega a existência: a pandemia da COVID-19 (Corona Virus Desease 2019), que nitidamente está relacionada a saúde de nosso ecossistema.
A interferência do homem na natureza, que abala a biodiversidade e o nível de proteção da natureza, pode aumentar o surgimento e a transmissão de doenças infecciosas de animais para os humanos (doenças zoonóticas), tal como ocorreu com a COVID-19. De acordo com dados divulgados pelas Nações Unidas, 75% das novas doenças infecciosas que surge em humanos vêm de animais. Além disso, um meio ambiente desequilibrado é solo fértil para o surgimento e propagação rápida de doenças tão graves ou piores que a COVID-19.
Em meio à pandemia, nunca se ponderou tanto sobre temas como saúde, vida e economia, assuntos que sempre pautaram as discussões em torno do meio ambiente. Se o homem tinha alguma dúvida da necessidade de alterar seu comportamento e estilo de vida na terra como uma questão de sobrevivência (em boa parte porque a existência do fenômeno da mudança climática ainda é questionado por muitos, por mais incrível que pareça), a chegada da COVID-19 parece ter esclarecido essa situação inexorável aos sépticos.
Agora temos um inimigo concreto, incontestável, e o homem será forçado a alterar drasticamente seu modo de vida.
Já podemos ler nas redes sociais muitas previsões de como será a vida na terra no período pós-pandemia, algumas delas imaginando a transformação digital e o “novo normal” com as pessoas se acostumando a ficarem enclausuradas e longe de aglomerações, tudo como forma de preparação para uma inevitável e nova pandemia a cada década.
O que interessa, porém, nesse Dia da Terra, é pensarmos o que fazer para que esse inimigo concreto não nos visite a cada 10 anos. Uma das respostas pode estar na velha e boa filosofia dos movimentos ambientais. O mundo precisa desacelerar e, talvez, encolher. O Homem precisa de novos hábitos e de uma profunda reavaliação de seus valores e culturas, pois o desenvolvimento desenfreado pode cobrar da humanidade um preço alto demais.
Sempre vale lembrar, a Mãe Terra não precisa do Homem. Ela sobreviverá mesmo que se torne um ambiente inadequado para nossa sobrevivência. Feliz Dia da Terra!
Claudio Ferreira Ferraz é vice-presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-ES e mestre em Direito Ambiental pela Boston College Law School