Rodrigo Carlos de Souza e Letícia Stein Carlos de SouzaProposta de Júri Popular por VideoconferênciaPublicado em 24 de Julho de 2020 • 18:56 O Conselho Nacional de Justiça está em vias de julgar a proposta do Ato Normativo nº. 0004587-94.2020.2.00.0000, de Relatoria do Conselheiro Mário Guerreiro, que visa autorizar a utilização de videoconferência para realização de sessões de julgamento do Tribunal do Júri, devido às contingências originadas pela pandemia da Covid-19. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil manifestou-se contrário à proposta do referido Ato Normativo e nem poderia ser diferente, já que do contrário estaria corroborando com a violação do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, previsto no Art. 5º., LV e, portanto, inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais, assim como está a própria instituição do Tribunal do Júri, prevista no inciso XXXVIII do mesmo dispositivo constitucional.A proposta do Ato Normativo sob comento dispõe que as sessões por videoconferências do Tribunal do Júri, que na realidade serão um misto de virtual e presencial, deverão ocorrer da seguinte maneira: presencialmente, no plenário, participarão o juiz, jurados, equipe de apoio, segurança e higienização, enquanto que virtualmente participarão a vítima e as testemunhas, ficando facultado à acusação, a defesa e ao réu que não estiver preso (réu preso prestará depoimento virtual), o direito de optarem pela participação presencial ou virtual e, caso alguma testemunha não disponha de tecnologia apropriada para a participação virtual, deverá prestar depoimento presencial.Todavia, antes de mais nada há de ser salientado que o Art. 5º., XXXVIII da CF prevê que “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa...”Observa-se que não há lei que permita sessão do Tribunal do Júri por videoconferência e é vedado ao CNJ, portanto, inovar o ritual do júri sem que seja aprovado e sancionado um regramento em conformidade com a proposta do Ato Normativo nº. 0004587-94.2020.2.00.0000 e, além disto, salienta-se que a plenitude de defesa (princípio do contraditório e da ampla defesa), fica prejudicada na medida em que a oralidade e as expressões das partes, membros do MP, advogados e testemunhas, por exemplo, não serão absorvidas pelos jurados na mesma proporção que são, quando a sessão ocorre presencialmente.Embora seja de alto relevo a iniciativa do CNJ de buscar uma solução para a alta contingência de réus pronunciados para serem levados a júri popular, a proposta formulada não merece prosperar também porque viola a dignidade da pessoa humana, que é um fundamento do Estado Democrático de Direito, previsto no Art. 1º. da CF, na medida em que a alternativa encontrada viola, como já dito, os princípios da instituição do júri e em especial o contraditório e a ampla defesa, vez que ao subtrair, ainda que relativamente, os meios de defesa da pessoa humana, esta tem a sua dignidade indubitavelmente violada, para não dizer violentada.Apesar de ser impossível não reconhecer que a pandemia da Covid-19 é uma situação de excepcionalidade, não se justifica dar celeridade aos processos privativos de Tribunal de Júri ignorando cláusula pétrea da Carta Magna e tirar da acusação, da defesa e dos jurados, o direito de estudar as expressões e comportamentos das partes e testemunhas, bem como, em determinados casos, de peritos.Concluindo, não há como não dizer que a proposta aqui comentada agride a Democracia, tendo em vista que vindo a ser aprovada, o CNJ terá tomado para si função de competência do Poder Legislativo, o que não se justifica nem pela inequívoca presença de força maior ou caso fortuito, conforme o entendimento doutrinário.Autor: Rodrigo Carlos de Souza, advogado, um dos dois sócios fundadores do Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário e Diretor do CESA – Centro das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Coautora: Letícia Stein Carlos de Souza, acadêmica do 2º. período de Direito da FDV – Faculdade de Direito de Vitória e estagiária do autor.